Mapa
Estava um bom dia para passear, saí de casa
cedo e, felizmente, pouco sentia do abuso nos cálices de vinho do Porto da
noite anterior. Não sabia ao certo para onde ir, tinha uma vaga ideia, mas não
se podia considerar um plano, uma vez que estava disposto a abdicar dessas
paragens se a minha vontade assim o exigisse. Como já vivia nesta cidade há
cerca de três meses, queria descobrir os seus recantos mais insólitos, alem
disso, tinha tempo para me perder. Quase instintivamente, dirigi-me para uma
zona da cidade que conhecia mal. Não sabia bem o que ia encontrar, mas queria
ser surpreendido pelo imprevisto.
O bairro parecia bastante
tranquilo. Os prédios encontravam-se silenciosos. Não passavam carros. À minha
frente, calmamente, o carteiro estacionava a bicicleta. Para além de uma ou
outra pessoa, do barulho dos carros nas proximidades e de um ou outro pássaro,
a rua onde me encontrava estava demasiado sossegada. Sigo pelo meio da estrada
até ao cruzamento mais próximo, para ver melhor os prédios e procurar um lugar
com mais vida. Quando me encaminho para outro local, uma mulher com aspecto de
mendiga dirige-se a mim e pergunta-me se eu quero comprar uns textos escritos
por ela. Paro, olho-a nos olhos, tentando antever o tipo de literatura com que
me ia deparar, e decido pegar nas folhas, mais pelo insólito da situação do que
pela vontade em avaliar o valor de um texto. O texto que li e que recordo foi
este:
“
a. Espanha – um cozinheiro vê os vizinhos a
fazer sexo;
b.
França – quatro drogados escrevem um manifesto;
c.
Inglaterra – um nigeriano bate na sua 3ª esposa;
d.
Escócia – um estudante de medicina é atropelado e decide tirar a carta de
condução;
e.
Irlanda – uma prostituta tenta decorar um dicionário;
f.
Estónia – um pedófilo assiste pela primeira vez ao Sozinho em Casa;
g.
Dinamarca – um condutor de autocarros é assaltado;
h.
Islândia – um casal de namorados discute;
i.
Noruega – um programador decide ficar uma semana sem ligar o computador;
j.
Suécia – um jardineiro assalta uma ourivesaria;
k.
Finlândia – um bêbado conversa com a sua sombra;
l.
Rússia – um camionista atropela um morcego;
m.
Cazaquistão – um turista marroquino não consegue comprar cigarros;
n.
Quirguistão – um professor de matemática tem um ataque cardíaco;
o.
Uzbequistão – um emigrante na Sibéria regressa a casa ao fim de 2 anos;
p.
Tajiquistão – um louco tenta fugir do hospício;
q.
Turquemenistão – um jornalista russo fuma um charro;
r.
Afeganistão – dois homossexuais franceses raptam um jovem;
s.
Azerbaijão – uma criança é vendida a um casal japonês;
t.
Irão – um pasteleiro apaixona-se pela mulher do vizinho;
u.
Arménia – um cão é morto a tiro numa lixeira;
v.
Paquistão – um arquitecto é condecorado;
w.
China – uma mulher a dias sai do trabalho;
x.
Índia – um detective tomou a sua primeira dose de heroína;
y.
Vietname – um apostador de cavalos é preso;
z.
Taiwan – uma dentista corta os pulsos;
aa.
Japão – duas gémeas tentam entrar no teatro depois da hora;
bb.
Austrália – três amigos descobrem que têm sida;
cc.
Nova Zelândia – um cirurgião sobe a uma árvore;
dd.
Fiji – uma égua dá à luz;
ee.
Tuvalu – um pescador adormece em frente à televisão;
ff.
Samoa – falha de energia em Apia;
gg.
Tonga – uma professora de inglês faz nudismo;
hh.
Kiribati – um violinista turco tenta comprar preservativos;
ii.
Naurau – briga num bar em Yaren;
jj.
Filipinas – agente secreto americano dá entrada num hotel de Manila;
kk.
Papua Nova Guiné – um caçador atira num automóvel por engano;
ll.
Malásia – bombeiro separa-se da mulher;
mm.
Indonésia – trolha é acusado de roubo e violação;
nn.
Timor-Leste – diplomata é assediado por travestis;
oo.
Brunei – pianista perde uma mão;
pp.
Tailândia – otorrinolaringologista descobre que é adoptado;
qq.
Myanmar – consultora imobiliária vive na rua;
rr.
Bangladesh – incêndio em livraria;
ss.
Nepal – Físico de Lumbini acusado de corrupção;
tt.
Butão – abate de árvores provoca destruição de duas habitações;
uu.
Sri Lanka – advogado é difamado;
vv.
Maldivas – criminologista inglês compra uma ilha;
ww.
Singapura – empresário búlgaro destrói um restaurante;
xx.
Camboja – talhante torna-se vegetariano;
yy.
Coreia do Norte – Fisioterapeuta atravessa a fronteira;
zz.
Coreia do Sul – Cardiologista escreve um livro de história;
53
– Iémen – uma criança é apanhada a conduzir alcoolizada;
54
– Omã – académico forçado a trabalhar na construção civil;
55
– Emirados Árabes Unidos – suicídio no aeroporto de Abu Dhabi;
56
– Qatar – milionário suíço encontrado morto num quarto de hotel;
57
– Bahrein – combate de boxe termina sem vencedor;
58
– Kuwait – homem afirma ser pai de mais de cem crianças;
59
– Arábia Saudita – três mulheres e um deficiente mental presos por conduzirem
uma limusina;
60
– Iraque – comerciante de móveis espancado por beber shots de licor beirão;
61
– Jordânia – museu arqueológico vandalizado;
62
– Israel – grande concentração de top-models em Tel Aviv;
63
– Síria – cão condenado à morte por canibalismo;
64
– Geórgia – duas centenas avistam três óvnis;
65
– Turquia – idosa ganha a lotaria;
66
– Chipre – velejador vietnamita morre afogado;
67
– Laos – guia inglês preso por contrabando;
68
– Egipto – criança agride polícia de trânsito;
69
– Grécia – telenovela cancelada causa tumultos em várias cidades
70
– Malta – electricista baleado pelo cunhado;
71
– Chipre – estrela porno desaparecida;
72
– Ucrânia – Ataque de raiva em Yalta;
73
– Hungria – Cineasta envolvido em caso de tráfico de órgãos;
74
– Itália – Apostador de cavalos acusado de prostituir a irmã;
75
– Bósnia – manifestação termina em orgia com as autoridades;
76
– Suiça – Ciclista assediado por dois transexuais;
77
– Bélgica – Padre morre durante a eucaristia;
78
– Eslovénia – incêndio destrói aldeia histórica”
Não passava de uma lista de
países e de situação que se assemelhavam a noticias, algumas das quais me
fizeram soltar uma gargalhada, mas não comprei o texto, nem sabia quanto aquilo
podia valer. Ela vendo o meu desinteresse pediu-me um cigarro e enquanto o
fumámos, falámos sobre o texto e sobre as influências literárias. Passado pouco
tempo, sem nada mais para dizer, continuámos os nossos caminhos. Durante as
horas seguinte andei completamente perdido. Sem grande dificuldade, consegui
resistir ao mapa que se encontrava na mochila. Quando deparei com uma estação
de metro, parei num banco para fumar um cigarro e consultei o mapa. Com
surpresa minha, reparei que já tinham passado nalgumas das ruas por onde tinha
andado, ruas que me tinham parecido completamente novas.
António e Elvira
António – Boa tarde, vizinha. Veio ao correio? Boas
notícias? Eu também recebi umas cartas da minha filha que está na Alemanha, diz
ela que estas férias vem em Julho, porque tem menos gente, e ela quer ver se
acaba de arrumar a casa, que as obras deste ano, deixaram tudo sujo. O meu neto
já vai crescidinho e para o ano já vai para a escola. (sorrisos) Mandou-me uma
fotografia, quer ver? Acho que tenho aqui no bolso… não, deixei no bolso do
casaco. Agora o tempo já vai melhorando, é a primavera, eu gosto muito da
primavera…
(entretanto, Elvira, responde
sempre afirmativamente, dando os bons dias, sem que António deixe de continuar
a falar)
Elvira - O meu filho pediu empréstimo ao banco, para comprar
um apartamento atrás do cemitério, mas estes andam sempre a recusá-lo, ele
também anda a pensar em emigrar, que a minha filha farta-se de o chamar, diz
que tem lá casa para eles, mas eles gostam disto aqui. Dizem que lá é mais
frio, e desta idade não conseguem aprender a língua, afinal o dinheiro não é
tudo, apesar de o meu neto já pedir coisas. Mas o que mais me preocupa neste
momento não é o dinheiro, que graças a deus ainda vai dando para as despesas,
mas, esta dor nas costas. Já fui ao médico ele receitou-me uns comprimidos para
as dores, mas aquilo só alivia um bocado, depois voltam aquelas pontadas
agudas. Já fiz rx, e o médico falou-me da cirurgia, já disse à minha filha que
até chorou ao telefone e tudo e disse-me para eu ir ao pé dela, eu disse-lhe
que agora nem para andar de carro ando boa, quanto mais de avião.
António – A gasolina continua a aumentar, ainda ontem ia
para ter com o meu compadre, queria ainda passar pela loja das rações para
levar uns quilos de ração para as galinhas, e depois fui por gasolina e é que
eu vi que está a um preço que não se pode chegar, antes eu punha 10 euros e
aquilo dava-me para eu ir e voltar a Portalegre agora dou duas ou três voltas e
aquilo fica logo na reserva. Eu até já pensei em começar a usar a bicicleta, e
também faz bem à saúde, mas as minhas pernas já não me ajudam muito a subir até
minha casa. Olhe, vamos andando e vendo. Se vir que isto continua a piorar,
também tenho de ir roubar como fazem aqueles que estão no poleiro, ou então
fujo para Espanha, já lá está o Joel, você sabe quem é o Joel, o filho do
Joaquim do talho, comprou lá uma casa, trabalha numa oficina, e ganha bem o
gajo, até vai comprar um carro novo. Agora que os dias vão ficar maiores, quero
ver se faço uns biscates para ganhar mais algum, para ajudar os meus filhos.
Não basta quando são pequenos, e depois quando vão para a escola, agora é
preciso ajuda-los sempre, parece que assim são sempre os nossos meninos.
Elvira - É verdade,
eu também me farto de ajudar os meus filhos, vou várias vezes lá a casa ajudar
a arrumar, custa-me ver a casa como eles a deixam, e depois os meus netos,
também tenho de os ajudar. Tenho lá ficado com eles nas férias e às vezes ao
sábado, quando eles vão dar uma volta. E eles ainda moram longe e eu já não
consigo conduzir como antes, eles vêm-me buscar, mas depois fica-lhes longe
para irem trabalhar. Às vezes nem sei que lhes possa fazer mais. E compro-lhes sempre coisas lá para casa.
Eles também me ajudam, ainda este domingo o meu genro veio lá a casa arranjar
umas coisas, ele tem jeito, mas também me custa vê-lo trabalhar no dia de
descanso. A minha filha veio com ele para me ajudar a arrumar a casa mas ela
não anda bem. Tem qualquer coisa esquisita, anda com maluqueıras na cabeça.
Andava a passar o pano numa nossa senhora que eu tinha lá em casa faz 30 anos,
eu disse-te que ma tinham trazido de Braga e deixou-a cair no chão assim sem
mais nem menos, agora não tem remédio, ainda tentei ver se dava para colar
mas... e depois andava a trocar o sítio de todas as coisas. Ainda lhe perguntei
o que tinha mas não lhe consegui arrancar nem um sapo! Por falar nisso, há
coisa de dois dias entrou-me um sapo pela janela das traseiras. O maldito!
António - tenha
cuidado menina Elvira, isso são cousas do canhoto! Ponha-se a pau!
Elvira - ponho um pau e no que diz, que me esta a rogar
pragas!
António - deus nos
livre de lhe acontecer alguma coisa a si ou aos seus! Mas sabe que essas coisas
acontecem, lembra-se do que disseram que aconteceu na casa do Alfredo, aquele
homem nunca mais foi mesmo! Mas eu
lembro-me agora que tinham dito que se ele tivesse posto o funcho em casa que
desapareceria, acho que é o que tem de fazer!
Elvira - pois eu ouvi isso, mas nesta altura do ano onde é
que eu vou encontrar o funcho, não vou esperar que ele cresça! Mas espere, há
aquela mulher que mora em Poços d’Arníca, talvez ela me dê qualquer coisa.
António
- Vá lá, vá lá, já sabe é sempre melhor
prevenir que remediar. Mas quem é que lhe podia fazer uma coisa dessas? E
afectar a sua filha? Ela nunca se deu mal com ninguém... Se fosse uma
desvairada... mas eu nunca ouvi quem tivesse o que quer que fosse contra ela.