Como se tornar num intelectual em 20 dias
AVISO: Antes de mais convém frisar que
os intelectuais por norma, não têm sexo para além de com as suas mãos. E quando
assim é, de preferência praticam o acto bem longe de olhares curiosos, nas mãos
envergando luvas brancas e estudando metodicamente a realização de todo o
processo. Nesse sentido, antes de efectuar qualquer um destes procedimentos,
certifique-se de que não consegue mesmo ter sexo, o que quer que faça em
relação a isso, e só de seguida siga os parâmetros necessários. Escusado será
dizer que o ritual não tem retorno, e que o não seguimento à regra dos cânones
básicos poderá originar o entorpecimento temporário ou até definitivo da mente
e do espírito. O autor deste texto não se responsabiliza pelos possíveis danos
causados. Recorde-se que é uma opção sua e só sua
PROCEDIMENTOS:
Roupa
e aspecto Um
intelectual deve vestir-se em concordância com a sua superioridade intelectual:
gabardina/casacos de tweed/camisas, e calças de bombazine; seda ou malha em
falta de alguma destas duas. Tal como a parte cimeira da idumentária as calças
deverão ter um ar descontraído, embora clássico. Preferencialmente deverão ser
escuras e de marcas caras. Ter barba é intelectual e acariciá-la também. O
cabelo de preferência terá de ser grisalho. Se você é jovem o melhor é comprar
tinta para o efeito. Rugas também são bem-vindas e estas podem ser obtidas
ziguezagueando e trespassando com um canivete suiço a pele da sua cara.
Passadas duas semanas os resultados serão notáveis.
Espólio
de tiques nervosos
Um bom intelectual tem o hábito de usar óculos e de os limpar inúmeras vezes,
de preferência com um ar filosófico e alheado em relação ao resto do mundo. Um
intelectual põe várias vezes a mão sobre o queixo acenando a cabeça em sinal de
profunda introspecção e de concordância consigo próprio. Um intelectual
concorda sempre consigo próprio. Mesmo que não esteja a pensar um intelectual
deve parece que sim. Coçar o pescoço enquanto se desfoca o olhar, a par de
gestos oscilatórios lentos acariciando o cabelo também costumam ser gestos
eficazes, não esquecendo, obviamente, o piscar compulsivo dos olhos e o deitar
de quando em vez a língua ligeiramente para fora.
Ludicidade Os intelectuais devem, para
assim o serem, para constituírem a amâlgama essencial da sua sui generiedade,
frequentar cafés ou bares onde se ouça música jazz, clássica, lounge, e bossa
nova, sendo estas duas últimas hipóteses um tanto radicais. No momento em
que se ouve música clássica poderá ganhar-se uns pontos adicionais caso se
abane as mãos como um maestro. Para a esquerda e para a direita é o
recomendado, já que para baixo e para cima poderá não ser muito subtil. No meio
intelectual não há grande distinção entre espaço lúdico e laboral, logo o
melhor mesmo é não aproveitar os tempos livres e assistir compulsivamente a
sessões de leitura, debates e tortuosas tertúlias. Idas a museus de arte
contemporânea e clássica também são bem-vindos, assim como fumar cigarrilhas ou
cachimbo enquanto se bebe whisky, gin, ou água tónica. Um bom intelectual deve
ter algumas colectâneas de cd`s de World Music, e artistas completamente
desconhecidos. Os hábitos de leitura devem ser consistentes. Caso não goste de
ler, compre mesmo assim uma panóplia de livros e uma estante de carvalho ou de
uma qualquer madeira brilhante, já que deverá bastar saber os nomes deles e
fazer declarações abstractas sobre eles. Na literatura os clássicos
deverão estar em primeiro plano. Homero, Shakespeare, Cervantes e Honoré de
Balzac são algumas referências. Tente decorar uma outra frase destes livros e
cite-as assim que achar oportuno. Mesmo que não encontre um momento oportuno
não tem importância, pois ninguém reparará nisso e julgará por de trás das suas
declarações existir um sentido mágico e oculto, quase como se você fosse um
curandeiro dos tempos modernos. A colecção de filmes e o seu visionamento
deverá cingir-se a obras de cineastas desconhecidos, ou de cinema alternativo;
Kusturica e Almodovar são alguns exemplos, assim como de cinema indiano,
coreano, grego e polaco. Um intelectual não vê pornografia e na pior das
hipóteses vê erotismo e fica perplexo com a complexidade e beleza artística do
acto sexual perceptido pelas câmaras. Uma mulher e um homem nunca são
"todos bons", mas sim provocam um estado libidinoso e uma atracção
corporal quase incontrolável. A sensualidade é algo importante para um
intelectual, principalmente para a deixar de lado no seu dia-a-dia.
Conduta A maior parte dos intelectuais
são de esquerda ou muito ricos. A primeira hipótese é bem mais fácil e é a
opção recomendada a um intelectual ainda em iniciação. O intelectual deve
tentar produzir arte. Qualquer coisa é passível de ser denominada de arte no
meio intelectual, desde que o seu significado não possa ser entendido
claramente. Nesse sentido, os poios sobre o azulejo da sua sanita já mais não
serão inúteis. Assine . O mais importante é assinar. Um outro segredo
deverá ser considerar o seu pior trabalho a sua obra-prima. Toda a gente se irá
acreditar. Outra ferramenta importante para um intelectual é a retórica e essa
deve usá-la de uma forma eloquente. Não importa que diga coisas parvas, desde
que estas sejam ditas com palavras complicadas, raras e com muitos R`s. Para
esse efeito pegue num dicionário espesso e assinale palavras estranhas, a
seguir decore-as. O seu sentido não é muito importante, o mais importante é
saber dizê-las e escrevê-las correctamente. Crie um blogue ou um FotoBlogue e
use estas palavras estranhas; ou fotografe coisas que era incapaz de olhar
durante mais de um milésimo de segundo. Se assim o fizer, é arte de
génio. Envie faxes aos seus amigos mencionando coisas sem sentido sobre coisas
aparentemente simples. Crie várias contas de e-mail, mas use apenas uma delas.
Compre três jornais diferentes por dia. Os jornais e revistas comprados
deverão ser jornais de referência tais como o Público, o DN, o Expresso e a
Visão, O Observer de Inglaterra e o New York Times dos Estados Unidos. O
"Liberation" está no topo da hierarquia intelectual, mas só deverá
ser comprado após alguma experiência no interior da existência intelectual.
Disponha todos os folhetins da imprensa em cima da sua secretária.Um
intelectual janta em restaurantes onde se sirva comida estrangeira. Um
intelectual sabe muitas expressões em línguas antigas e de civilizações
consideradas sábias. Um intelectual lucrará se dominar o Latim, o Grego ou o
Hebraico.
Lar
e decoração
As casas dos intelectuais deverão ser amplas e em estilo vitoriano, embora
constituam alternativas as vivendas de estilo clássico, ou as espaçosas
quintas. Dentro das quintas deverão existir cavalos. Não é recomendável ter
sexo com eles. A decoração das casas deverá conter objectos raros e estranhos
de todo o mundo. Quanto mais antigos e exóticos melhor. Os lares têm de possuir
secções estranhas; como salas de leitura, salas de cinema, salas com
equipamento desportivo e salas de cortar as unhas dos pés, coçar os colhões,
comer açorda e rapar os pêlos púbicos.
O
que um intelectual não faz? Não arrota e não peida porque isso não exige um exercício
de introspecção. Para um intelectual não conta tanto a extrospecção mas sim a
introspecção. Um intelectual não lê Dan Brown. Não tem mais de dois filhos. Se
tiver sexo tem que ser tântrico e o recomendável mesmo é a masturbação.Um
intelectual limpa o recto com tiras de seda. Um intelectual não é
não-intelectual.
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