segunda-feira, 21 de maio de 2012

Boris Nunes Martins (Os selvagens destilam cactos no alambique)


Destroços
Sente-se no ar um prenúncio de morte! A calçada molhada faz os cheiros mais intensos. Os músculos retraem-se enquanto caminham juntamente com a chuva. Os sítios esquecidos são visitados para matar memórias antigas. Os bebés que nascem neste momento; estão todos juntos na sua solidão, característica inata dos Homens. No cérebro confuso a dor confunde-se com a vida, o choro cai pela face escura e triste, os ponteiros do relógio estão parados enquanto o tempo se perde em si mesmo e as lágrimas continuam a brotar das nuvens cinzentas que escondem o Sol.O homem está perdido e a vida flui como a areia de uma ampulheta, eternamente sozinha nos destroços da cidade destroçada, simulacro do coração humano.

  Os selvagens destilam cactos no alambique e inventam novos deuses, vozes interiores que cantam o fado, porque nada mais há que fazer. E os copos que se vão esvaziando vão ficando em cacos, o vidro partido é utilizado para fazer cicatrizes que demoram a sarar, e põem as paredes manchadas de sangue
  Eu que crio deuses faço uma ode ao homem solitário - Abandona a estrada deserta. Fecha os olhos cansados. O sono que vem desperta a tua alma imprudente. Que o bagaço põe quente. Os teus sentidos arrepiados. Larga a tua vida irreal. Põe os teus pés no chão. Descansa o teu corpo no areal. E deixa que a chuva te transporte. De encontro a quem te espera, a morte. Na dúvida de que encontres a razão.

 _   Dou-te beijos até te partir a boca
-        Devoro-te a mandíbula
-        Enfeito o teu coração com ossos
-        Dispo-te na noite do meu olhar
-        Bebemos o sangue com que celebramos a morte
-        Olhamos a lua e duvidamos
-        As nossas caveiras desmancham-se de riso
-        O humor dos teus olhos desfaz-se na terra onde enterramos os nossos corações
-        Caminhamos no escuro e não proferimos nenhuma palavra
-        Os morcegos perseguem-nos com o seu voo cego, num céu com a cor ténue do fumo que enevoa os nossos pensamento. Temos dois cães que nos seguem para todo o lado e fodem as cadelas com o cio
Nenhum segredo ele arrotou.
Nenhuma confissão entre os soluços. Só aquele murmúrio constante dos loucos em declínio. Com olhos vazios, olhos cegos
  Balouçando-se ligeiramente na cadeira. Ao primeiro murro bateu com a cabeça no chão partindo o nariz. O primeiro pontapé trocou-lhe algumas costelas de lugar
  Na quarta investida parou de murmurar. Na sexta, já pouca coisa se distinguia do seu corpo. À décima investida pararam. Restava um montículo de tripas e sangue junto a uma cadeira partida. O pó assentou… E então, naquele quarto salpicado de sangue…

O escorpião controla a máquina que me controla a mim. Mora num deserto em cima duma rocha. Onde leva os dias a ler o manual e a carregar nos botões. Eu vivo numa jaula, tenho os olhos secos e as mãos ensanguentadas. O homem que me observa está com uma expressão de entendido. Passam por aqui peritos do mais alto gabarito. Os seus óculos estão embaciados da sua respiração ofegante
 Eu sou alimentado com laranjas. A minha merda é verde
 Ele aproxima-se das grades e eu afasto-me. Fui treinado para este tipo de encontro
Ele não tem olhos e no entanto trespassa-me com a sua presença. Diz que o dia está a acabar. Que tenho de me ir embora. Para pegar na minha mala e pôr-me na estrada. Longe de estar aqui. Tento ver a estrada no precipício que leva a praia
O sol põe-se, está frio, alegre, triste, nocturno. Eu amo-te! Mas e tu? Também esperas a próxima música?

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