segunda-feira, 21 de maio de 2012

Maria Leonor Guita (No chão frio uma rapariga nua contorce-se)


No chão frio uma rapariga nua contorce-se.
 Uma rapariga. Nua contorce-se silenciosa. Fá-lo sem sentimento ou pudor. a apatia que se abateu sobre ela delimitou-lhe a distância. Circunscreve-a o passado.
Assim, distância e ausência reflectem-se no brilho insane do olhar.
A rapariga. Corpo aberto como animal. Em espasmos de dilaceração que tentam ocultar segredos invioláveis. Melancólica, asfixia. O odor acre do cio invade-lhe a solidão.
Uma rapariga. A rapariga. Sem rosto, sem gosto, sem posto. Anónima e secreta mutila-se por entre a multidão. Passa incólume e sai ilesa.
Adivinha-se-lhe nos gestos programados o trejeito que os ensaiou.
Metamorfoseou-se e redimiu-se.
De rojo no chão pede clemência, olhos fitos numa imensidão de nadas que se sucedem sem que ela lhes toque de afago súbito, tal não é o seu desejo.
Embalada, como berço, trauteia uma qualquer cançoneta que a conforta.
Uma Rapariga, nua no seu anonimato, despida nas intenções. Rapariga sem rasto, mede a compasso de espera da ausência no calendário a doze espaços a fuga que ensaiou. Desce a cortina em breves traços para não mais se rever numa moldura sem retrato.
Estilhaços de prata fustigam-lhe o corpo. Não importa. Já nada importa. Nada incomoda a não ser aqueles comodisno entranhado que propulsiona e induz a convulsão. Naúsea.
 - Recortar uma foto de mulher-top-symbol-sex-toy de uma revista e colocar na viutrine da casa-onde-se-toma-banho-sem-se-lavar no lugar do espelho que, como ácido, corrói.
A rapariga. Uma rapariga. Como outras, anónima...
Tem nome de baptismo: "Fui-o outrora agora".

11 de Agosto de 2007





Calei a dor, a saudade e a demência
em que coloquei quem me fui.
Rasguei a máscara, pedi clemência.
Mas olho em volta: tudo rui.

Se olho e me reflicto, não me vejo,
nem reconheço ou encontro e finjo
Não é isto que a mim desejo,
não é isto que profundo atinjo.

Um golpe de asa, voo a rasar o chão:
passeio-me então onde não pertenço
e enceno velhos gestos com intenção

de ensaiar a vida que repenso.
Como que a programar o coração
reduzo a cinzas e fumo o fogo intenso.
 Novembro 2006

O infinito cósmico que me alberga suprime o Sol

 subtrai a Lua num engrenar dentado e rude, numn espasmo à miúde, um esgar lacinante. Seria eu centrípeta, força centrífuga que afirma um terço da metade que eu tinha. A velocidade, a ferocidade. Voracidade. Toda a cidade um formigueiro nos membros. Intrauterina, enfim. Respondem as gueixas num clamor dum suspirar que não entendo, não acompanho. Sinto os gumes no pescoço. Os gomos da laranja sussurrados a três espaços. A esquizofrenia lança um repto, um atentado ao meu pudor. Castidade em castiçal. Cortinado em redor como um véu que se esbate e debate. Vento invernil num universo que espreita. Memória atroz atrás de cada passo....

Dezembro 2009

Fixo um ponto no infinito

e traço um novo plano
fictício e inexacto, indistinto
o meu horizonte insano.

A dormência do meu braço
Não contradiz a essência:
É horizontal e longínquo o espaço
que me surge da demência.

TEm as cores do Sol
que se põe no deserto árido.
E por mais que o calor esfole
a pele do rosto pálido

Rumarei a ele com esperanças
e sentimentos de azul e mais
e tudo o que levo são lembranças
de sonhos acordados, irreais...

Com que mentiras desvendaste meus segredos
Com que injúrias lastimaste meu passado
e afastaste de mim espirais de medos
e iludiste um amor tão magoado?!

Com que tortura me arrancaste um beijo
Com que crueza cometeste asssim o teu pecado
atirando-me para o âmago do (meu) desejo
alimentando um sonho por ti criado?!

Porque me descobriste no abandono
Porque me roubaste dum romance sem encanto
e me devolveste a tranqulidade de Outono?!

Porque quando eu te queria mais - e tanto
que meu rosto retomou o pálido - perdi o sono
e passo horas mortas em amargo pranto!


Intencionais e febris as palavras num espasmo que cavalga
longínquo e efémero. Deslizam pelas pontas dos dedos, sequiosas
de adjectivos tácteis, como se só elas
possuissem a ferocidade das horas.
Restabeleço-me, ociosa de vícios capitais,
 alheios à minha sofreguidão retalhada.

Uma trovoada ameaça no horizonte. Devia ser mais coesa - e as pessoas em volta conferem juízo e estatuto à forma,
 arrogando-se deuses do conteúdo. Engraçado o contraste. Há na escolha, na vil solicitude do parâmetro um mau gosto atroz que de boa-fé apelidam kitsch.
Tento fintar o absurdo, como outros fintaram a náusea e o desassosego. As leis que regulam o intolerável são incomensuráveis e eu sinto no estômago o soco do destino.
Convém viver mansamente, atribuir sons às cores, nomes às relações, propriedades ao desconhecido que não consegue limitar-se. A liberdade é um bem supremo. Nivelo por baixo porque não há outra opção. Eu também convivo mal com a rejeição.

Está um calor abafado. Nem uma brisa sopra. A inconstância é sublimada e eu invoco Freud para conferir inteligibilidade ao meu desejo que se contorce e retorce tentando libertar-se da
opressão a que o sujeito.
 Mas Freud não me auxilia e mudo de ~
estratégia. Rezo em pequenos sulcos a um santo da minha devoção por ser amado pelas manifestações arrebatadoras da natureza. Por momentos duvido dos sucessivos
sucessos da psicanálise e rendo-me à evidência do imaterial sacro-santo.
Não sou pura e reverto a prece, ansiando
 pela minha salvação. Todo o meu pensamento imberbe e já não mais esmiuçado converge num ponto.
E sei que o 1 é o todo tal que a realidade se altera por operações mentais. DEesprezo tudo e por momentos o microcosmos é um macrocosmos também.

Esse destino marcado
é tão somente
Uma dor presente
Em que te vês abandonado

O sentimento maltratado
Fez de ti um ser dormente
Outrora amante ardente
Agora vulto embriagado

Esse cancro pungente
em que ficaste ancorado
não é secreto, é urgente

revelar-se tal pecado
concreto qual o da serpente
que fez errar p'la Terra tanto servo amargurado!



O teu léxico não tem nexo
Põe o dedo na frincha e abre uma cratera.
Deposito-lhe sedimentos solares
como raios condescendentes
de solenidade.A tua língua volteia sílabas,
vomita trechos palavrosos de autores eruditos. Com a ponta dos dedos sequiosos tacteio a negritude da tua tez e declamo Maria Teresa Horta porque me parece bem.- Julgas-me cristalina, talvez louca mas a tua pele mmorena grita e eu ensurdeço. Vagueio sem a noção do ruído que ruge-ruge num vermelho ajuízado.- Sou depressiva mas só nos meus olhos. Todo o meu corpo é euforia de ver-te dançar. Os meus olhos orvalho matinal de liberdade que não se pode comprar.- Olha, tenho penas.
Penas a cobrir-me dos pés à cabeça, penugentas insignificâncias no ventre, plumas de pavão no lugar das pestanas. Toda eu sou penas e lamúrias, galinácea chocadeira em plena choradeira quando anseio pelas tuas mãos. Toda eu sou fonemas e adjectivos.
-  Tu és um advérbio de modo: urgentemente! 
  E é um fogo de Camões que me consome; este desejo de consumar um pecado nada original de uma maçã prometida; uma serpente que me tenta: urge matar!

19 de Junho 2011

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